Estamos prestes a testemunhar um grande evento que acontecerá em Belém do Solimões o Festival de Música Indígena no qual o vigor da cultura indígena é mostrada em todas as suas nuances. Estamos divulgando e buscando parcerias para ajudar-nos na construção deste evento.
Segue o cartaz de divulgação:
Na expectativa deste evento, muitas coisas me fazem refletir e uma delas foi provocada recentemente após a visita de
um grupo composto por alguns organismos que “apoiam” algumas lutas e vieram
lançar uma campanha em nossa comunidade. Não quero entrar em detalhes, mas é
triste perceber a utilização da imagem do indígena, explorada para falsas
propagandas. Pois, estas visitas são feitas por gente sem comprometimento com a
nossa vida e com a nossa dor; que tem receio de beber a nossa água, de dormir
em nossas moradas e vem com toda forma de preconceito quanto ao nosso povo,
fere a nossa dignidade humana. Em pouquíssimas horas já estão de volta em seus
barcos e acredito bem aliviados por poderem voltar para o seu mundo e lá
falarão que estiveram conosco nos ouvindo. Quanta gente pisa aqui, mas não faz
parte da nossa vida! Quanta gente diz que vai trazer benefícios, e sabemos que
não vai acontecer nada! Continuamos da mesma forma, com as mesmas dificuldades
e sofrimentos! Isolados e ainda teimosos em levantar a voz e dizer que sonhamos
um mundo diferente feito com o nosso jeito de sentir e de perceber a realidade!
Talvez nunca entendam e quando entenderem já não estaremos aqui para dizer que
percebemos que vocês se preocupam conosco.
As nossas crianças têm nascido
ainda com a inocência e brilho que lhes são próprios; os nossos jovens caminham
tentando se identificar neste mundo que lhes destituem de sua identidade mais
profunda como indígena; os nossos anciãos com os sulcos marcados em seus
rostos, mantém a dignidade conseguida através de muito trabalho enobrecedor de
harmonia com a terra, a água e com os irmãos; as nossas expressões culturais
ainda teimam em se mostrar.
Um dia faremos parte de livros em
bibliotecas virtuais. Mas no fundo de noss’alma acreditamos que este futuro vai
ainda demorar muito e muitas luas para chegar e, talvez, não venha com uma
existência que hoje parece destinada a acontecer, pois, ainda existem aqueles
que lutam conosco nesta terra, cultura e vida (torü naãne, torü na’cuma rü torü
ma’ȗ) - e não desaparecerão! - pois, quando desaparecer será a última voz que o
coração humano será capaz de emitir antes de terminar a sua jornada.
Que o 5º festival de música indígena
aconteça em sua beleza mais profunda para que os espíritos das florestas e
águas continuem com toda a sua vitalidade!
Frei Ricardo França, frade capuchinho de Belém do
Solimões